Declus

Tentando tapar os buracos na minha cabeça...

sábado, agosto 16, 2025

🔎 Olhar Curioso — A Peça de Teatro Onde Lincoln Morreu (e Outras Obras Que Viraram Ninguém)

Em 14 de abril de 1865, no Ford’s Theatre em Washington, a plateia assistia a uma comédia leve chamada Our American Cousin. Era uma noite normal: diálogos engraçados, uma plateia de gala e um presidente dos Estados Unidos tentando relaxar.

Mas aí, um ator chamado John Wilkes Booth entrou para a história com um tiro.

Desde então, todo mundo lembra do assassinato de Abraham Lincoln.
Mas quase ninguém lembra da peça.
Our American Cousin virou só um detalhe de rodapé, como se nunca tivesse importado.


O efeito do “apagamento cultural”

Isso acontece mais do que parece: uma obra de arte ou um evento cultural é ofuscado porque algo gigantesco acontece ao redor.
Não importa o quanto aquele momento tenha sido pensado, ensaiado ou importante para alguém — ele vira cenário de fundo para uma memória coletiva muito mais impactante.


Exemplos além de Lincoln

🎻 Titanic e a música que ninguém ouviu (ou ouviu?)
Quando o Titanic afundou, a história dos músicos que tocaram até o fim virou lenda.
A música mais citada é Nearer, My God, to Thee.
Mas adivinha? ninguém tem certeza se era essa mesmo. O que se sabe é que houve música... mas não se sabe qual. O desastre engoliu a playlist inteira.

🎤 Festival de Altamont (1969)
Era para ser o “Woodstock da Costa Oeste”. Rolling Stones, público enorme, clima de paz e amor.
Mas um assassinato cometido bem na frente do palco eclipsou o show inteiro. Hoje, quase ninguém lembra quais bandas tocaram — só lembram do caos.

🖼️ O restaurante e a arte no topo do World Trade Center (2001)
O WTC tinha uma galeria de arte moderna e um restaurante luxuoso chamado Windows on the World.
Mas pergunte a qualquer pessoa: ninguém cita a exposição ou a experiência cultural do lugar.
O 11 de Setembro engoliu tudo, e a memória coletiva apagou os detalhes que não envolviam aviões e tragédia.


Por que isso acontece?

  1. A mente prioriza o impacto emocional – quando algo extremo acontece, tudo ao redor vira pano de fundo.

  2. Narrativa histórica simplifica – para contar uma história, a gente corta detalhes. Fica só o que “importa”.

  3. A própria arte se adapta – depois de Lincoln, a peça Our American Cousin quase deixou de ser encenada por décadas. Virou tabu, como se fosse cúmplice involuntária.


E se…?

Fica uma provocação: quantas histórias pequenas são apagadas todos os dias porque aconteceu algo “maior” perto delas?
Um filme que estreou no dia errado, um livro lançado na semana de uma crise, uma obra de arte esquecida porque algo explodiu — às vezes literalmente.


Epígrafe:

“Talvez a memória coletiva seja mais como um holofote do que um arquivo: ilumina uma cena e deixa todo o resto na sombra.”

📌 Post Extra — Ilusão de Ética

 
Vivemos na era do dualismo de bolso.

Calma: não é uma referência direta ao ex-presidente (embora os mais incautos possam até achar que sim… e talvez não estejam tão errados). É o dualismo reduzido, simplificado, que cabe numa caixinha de rede social: certo x errado, bem x mal, nós x eles. O maniqueísmo atualizado para tempos de memes e threads.

Dentro desse tabuleiro simplificado, cada lado se convence de que busca o “melhor”.
Mas o melhor para quem? Para si? Para o grupo? Para a humanidade?
O problema é que, quase sempre, o “melhor” vem com nota de rodapé: vale enquanto não atrapalhar o meu conforto pessoal.

É aí que entra a tal ilusão de ética.
Um verniz que nos faz acreditar que nossas escolhas são justas, éticas, corretas… até o momento em que percebemos que alguém ficou pelo caminho. E então inventamos justificativas, sofismas e boas intenções — porque ninguém gosta de se enxergar como o vilão da própria história.

Mas será que existe mesmo um caminho do meio?
Uma forma de equilibrar desejo e responsabilidade sem se tornar mártir nem predador? Talvez a resposta seja menos heroica do que parece: não se trata de salvar o mundo, mas de não destruí-lo enquanto busca o seu lugar nele.

O prazer existe — e é legítimo buscá-lo.
Mas se, para desfrutá-lo, é preciso esmagar o outro, talvez não seja prazer: seja apenas abuso com outra etiqueta.
A vida bem vivida talvez não seja um ideal ético absoluto, e sim um exercício diário de sobriedade: aproveitar sem ferir, existir sem devastar.

E isso, convenhamos, já é revolucionário o bastante.


Epígrafe
“Todo mundo é ético até descobrir que ética não paga boleto.”

Contraepígrafe
"Talvez a maior ilusão ética seja acreditar que estamos sempre do lado certo."

Errata Ética
"Ou talvez a maior ilusão seja fingir que se importa com ética quando, no fundo, só não quer parecer o vilão da história."

Nota de rodapé insolente
“A ética é linda… até esbarrar na sua conveniência.”

O Vulcão que Criou o Frankenstein

 
🌋 Em abril de 1815, o Monte Tambora, na Indonésia, explodiu com uma força que ainda hoje é difícil de imaginar. A erupção foi tão poderosa que removeu boa parte da montanha, enviou bilhões de toneladas de cinzas para a atmosfera e matou, diretamente, mais de 70 mil pessoas.

Mas o impacto real foi global: cinzas na estratosfera bloquearam a luz do sol, alteraram o clima e mergulharam o mundo em um fenômeno que ficaria conhecido como O Ano Sem Verão.

As colheitas fracassaram na Europa e na América do Norte. O preço dos alimentos disparou, a fome se espalhou e, em muitas regiões, a miséria ganhou tons de desespero. Mas a história curiosa — e de certa forma irônica — é que, enquanto a fome e a instabilidade tomavam conta do mundo, um punhado de jovens intelectuais estava isolado às margens do Lago de Genebra, na Suíça, tentando se distrair de um verão que nunca chegou.

☁️ Os céus eram cinzentos, as tempestades eram frequentes e o frio parecia não ir embora. Foi nesse ambiente claustrofóbico que Lord Byron, Percy Bysshe Shelley, Mary Shelley e outros amigos decidiram se entreter com leituras de histórias de fantasmas e, por fim, lançar um desafio: cada um deveria escrever sua própria narrativa de terror.

Mary Shelley, então com apenas 18 anos, começou a rascunhar a história que se tornaria "Frankenstein, ou o Prometeu Moderno" — um romance que não apenas inauguraria o gênero de ficção científica, mas também se tornaria um ícone da literatura gótica.

🧠 É interessante pensar que, sem o Tambora, talvez Frankenstein nunca tivesse sido escrito. Ou, pelo menos, não daquela forma. O clima sombrio, a atmosfera carregada e o isolamento forçado criaram as condições perfeitas para que Mary Shelley desse vida ao seu “monstro”.

E aqui entra um ponto fascinante: grandes catástrofes não geram apenas destruição. Elas também moldam culturas, artes e ideias. Um vulcão no sudeste asiático influenciou diretamente a imaginação de jovens na Europa, que, por sua vez, mudaram a literatura para sempre. É como se a própria Terra tivesse participado da criação — soprando cinzas e escuridão para dentro de uma obra-prima.

Frankenstein, de certo modo, também é uma história sobre forças que fogem ao controle. O cientista que desafia os limites da vida e da morte acaba criando algo que não pode dominar — uma metáfora perfeita para o próprio vulcão que, ao entrar em erupção, alterou o destino de milhões.

⚖️ Existe algo de profundamente humano nessa ligação entre destruição e criação. A história do Tambora e de Frankenstein nos lembra que os eventos mais sombrios podem gerar frutos inesperados — e que a arte, muitas vezes, nasce do desconforto, da instabilidade e até mesmo da tragédia.

Talvez por isso, mais de dois séculos depois, ainda sejamos fascinados tanto pelo poder bruto da natureza quanto pelas histórias que contamos para tentar compreendê-lo.

E, no fundo, fica a pergunta: será que o verdadeiro “monstro” da história foi o criado por Mary Shelley, ou foi o próprio planeta, lembrando-nos de que, por mais avançados que sejamos, ainda estamos à mercê de suas forças?

sexta-feira, agosto 15, 2025

☕ Três Goles de Café — O que é Entropia?

 ☕ Primeiro gole: entropia é a bagunça natural das coisas. Com o tempo, qualquer sistema tende a se desorganizar — de um quarto arrumado até um relacionamento.

☕ Segundo gole: na física, mede a quantidade de desordem ou incerteza em um sistema. Quanto mais entropia, menos previsível é o que vai acontecer.

☕ Terceiro gole: na vida, é o lembrete de que nada permanece igual para sempre. Tudo muda, desgasta, transforma. E a gente pode escolher lutar contra... ou aprender a dançar no meio do caos.

Epígrafe:
"A ordem é só um intervalo entre duas desordens."

Tântalo e o Castigo da Sede Infinita

 
No mito grego, Tântalo foi condenado a um suplício peculiar: preso em um lago, com frutas ao alcance das mãos, mas incapaz de beber ou comer. A água recuava sempre que tentava beber. As frutas se afastavam sempre que esticava os dedos.

A punição era simples e cruel: desejar para sempre o que jamais poderia ter.

Tântalo encarna um tipo de sofrimento que parece muito moderno. Vivemos cercados de imagens, produtos e promessas — e, no entanto, o que queremos parece sempre um pouco além da borda. Um aumento de salário que nunca é suficiente. Um relacionamento que quase nos preenche. Um projeto que sempre fica para “quando sobrar tempo”.

Talvez por isso o mito ainda fale tanto com a gente: ele não é só sobre castigo divino, mas sobre o motor da nossa insatisfação. Afinal, não é essa distância — entre o que temos e o que sonhamos — que mantém a roda girando?
Ou será que estamos apenas repetindo, em versão 4K, o mesmo gesto de Tântalo: com a boca na água e a fome intacta?

quinta-feira, agosto 14, 2025

O que é mais antigo: a guerra ou o mito?

 

Antes de escrevermos, já lutávamos.
E, ao que tudo indica, também já contávamos histórias sobre por que lutávamos.
Pinturas rupestres mostram caçadas, combates, rituais.
Muito antes da palavra “história” existir, já havia sangue e narrativa.


📜 A espada ou a desculpa para usá-la?

A guerra pode ter nascido do medo, da sobrevivência, da disputa por comida, território, água.
Mas logo ganhou um enredo: deuses ordenando ataques, heróis conquistando glórias, monstros encarnando inimigos.
Talvez a pergunta certa seja: a guerra precisa do mito… ou o mito precisa da guerra?


🏺 Deuses com armaduras

Zeus não descia com ramos de oliveira; ele lançava raios.
Atena, deusa da sabedoria, também era deusa da guerra estratégica.
No Oriente, Shiva pode destruir mundos inteiros em sua dança.
📎 Quando olhamos para o passado, parece que nossos deuses nasceram já equipados para a batalha — como se a guerra fosse uma parte inevitável da narrativa humana.


📖 Narrativa como armadura emocional

Mesmo quando o conflito era simples — “aquele grupo quer nosso pasto” — a história precisava ser maior:

  • “Eles são bárbaros perigosos!”

  • “Nossos deuses exigem esta vitória!”
    📎 Contar uma história ajudava a lidar com a violência praticada. Transformava caos em sentido.


🧠 O que veio primeiro?

Talvez mito e guerra tenham nascido juntos, como irmãos gêmeos:
um para explicar por que lutamos, outro para garantir que continuaríamos lutando.
📎 A espada corta, mas é a história que convence a levantar a espada de novo.


💭 E hoje?

Ainda criamos mitos para guerras — só mudaram os nomes.
Chamamos de “defesa preventiva”, “operação de paz”, “libertação”.
No fundo, continuamos vestindo narrativas como armaduras emocionais.
Talvez isso diga mais sobre nós do que gostaríamos de admitir:
não sabemos viver sem histórias, nem sem conflitos.


Então, o que é mais antigo? A guerra ou o mito?
Talvez a resposta seja: nenhum começa sem o outro.

quarta-feira, agosto 13, 2025

📌 Post Extra — O Dragão na Garagem e o Olho do Ceará

 
Meu pai, que saiu do Ceará aos 18 e hoje já passou dos 70, gosta de contar histórias do sertão.

Uma delas reapareceu na sala esses dias, quando ele falava para minha sobrinha sobre um amigo de infância que machucou o olho. O médico — “daquele tempo”, como meu pai faz questão de frisar — disse que ele perderia a visão.

O amigo, então, recorreu à fé: fez uma promessa a São Francisco, o santo mais forte da região.
Uma semana depois, voltou ao médico (ao menos fez isso, ponto para ele) e ouviu o improvável:

— “Vai se curar.”

E se curou.

Essa história me lembrou de algo que sempre me intriga: a força do testemunho humano.
Não importa se é sobre um milagre no interior, um fantasma no corredor ou uma luz estranha no céu — quando alguém conta algo com emoção e detalhes, nossa mente preenche as lacunas como se fosse verdade absoluta.

Mas, como já dizia Carl Sagan:

“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias.”

No seu livro O Mundo Assombrado pelos Demônios, Sagan criou a metáfora do Dragão na Garagem: se alguém diz ter um dragão invisível e intangível vivendo na garagem, mas não há como medi-lo, fotografá-lo ou interagir com ele, qual a diferença prática entre existir e não existir?

James Randi, o grande ilusionista e cético, levou isso ao limite. Criador do famoso Desafio Paranormal, ofereceu um prêmio de 1 milhão de dólares a quem demonstrasse habilidades sobrenaturais sob condições controladas. Ninguém jamais conseguiu.

Richard Feynman, físico e eterno provocador de certezas absolutas, alertava:

“O primeiro princípio é que você não deve enganar a si mesmo — e você é a pessoa mais fácil de enganar.”

Richard Dawkins, por sua vez, argumenta que nossa mente evoluiu para detectar padrões e causalidades rapidamente, pois isso ajudava na sobrevivência — mas esse mesmo impulso nos faz ver conexões onde não existem, desde constelações até “curas” milagrosas.

Não estou aqui para negar o que meu pai viu, ou o que ele acredita ter visto.
A fé pode ser um pilar poderoso. Mas entre o milagre e a coincidência, o testemunho ocular é talvez a pior prova — não porque a pessoa esteja mentindo, mas porque nossa memória adora escrever ficção com cara de realidade.

📜 Epígrafe:
"Milagres acontecem. Mas, às vezes, o milagre é só a gente não perceber como foi que aconteceu."

🏟️ A Política do Pão e Circo e Por Que Não Gosto de MMA

  Epígrafe: "O instinto nos força a treinar para a guerra, mas a evolução nos obriga a torcer pela paz." Do Roteiro ao Sangue Rea...