Nós fomos ensinados a valorizar a Razão como o juiz supremo, o motor frio e lógico que deve nos guiar. A Paixão (o afeto, o desejo, o impulso) é vista como a força caótica a ser contida.
O filósofo escocês David Hume jogou essa estrutura pela janela. Ele não disse apenas que a razão é escrava das paixões; ele disse que ela deve ser escrava.
O que Hume chama de "paixões" não são apenas ataques de raiva ou luxúria. São toda a nossa motivação: nossos desejos fundamentais, nossas ambições, nossos valores morais e, sobretudo, as nossas vontades.
O cerne da tese é brutal: Nós não usamos a razão para decidir o que queremos; usamos a razão para justificar o que já decidimos querer.
A Razão Como Advogada de Defesa
Se você prestar atenção nas suas grandes decisões, perceberá que a paixão sempre dá o pontapé inicial. A razão entra em cena depois, apenas para fazer o marketing da escolha:
Comportamento de Consumo: Você vê um objeto que deseja (a Paixão). Você o compra (o Ato). A Razão, então, trabalha horas extras para justificar a despesa: "Eu precisava dessa ferramenta para o trabalho," ou "Foi um investimento de longo prazo," ou "Eu mereço."
Escolhas de Carreira: A Paixão te move para a estabilidade (concurso) ou para o risco (empreender). A Razão, então, monta a planilha de custos e benefícios para provar que o caminho escolhido é o mais sensato.
A razão não gera a vontade de passar na SEFAZ SP; ela apenas calcula a rota, o número de questões por dia e a estratégia para o 28/02. O desejo de uma vida melhor (a Paixão) é quem apertou o botão "iniciar estudo" há 10 anos.
O Perigo da Ilusão Racional
O maior perigo em negar Hume é a hipocrisia.
Quando tentamos convencer a nós mesmos e aos outros de que agimos puramente pela lógica, transformamos nossas paixões (nossos verdadeiros motores) em um inimigo a ser escondido. Isso nos impede de entender por que realmente fazemos as coisas.
A vida não é um silogismo; é um desejo em movimento. E o sábio é aquele que admite que a Paixão é o capitão do navio (ela define o destino), e a Razão é o navegador (ela traça a rota mais segura para chegar lá).
A aceitação da escravidão, nesse caso, é a própria libertação.




