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Tentando tapar os buracos na minha cabeça...
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quinta-feira, setembro 11, 2025

🌌 Post Extra — Como viver sem céu nem inferno

 

Ser ateu, agnóstico ou simplesmente alguém que não comprou o pacote “fé, salvação e recompensa eterna” pode parecer um fardo num mundo em que a maioria ainda se guia por religiões. É como entrar em uma festa à fantasia sem fantasia: você continua sendo você, mas todo mundo olha torto, como se tivesse quebrado uma regra não escrita.

Eu mesmo sou fruto desse meio-termo: batizado, comunhão, crisma… só faltam o casamento e a extrema-unção para completar o álbum dos sacramentos (e confesso que tenho mais simpatia pelo último). Mas, na adolescência, depois de devorar toneladas de revistas de pseudociência, comecei a notar que talvez o universo não precisasse de um gerente geral para funcionar. A ciência só reforçou essa percepção: a vida segue, pulsa, se expande — tudo sem precisar de uma mão invisível.

E aí vem o dilema: como se orientar eticamente sem a promessa de céu ou a ameaça de inferno? Kant dá a pista: aja de tal modo que sua conduta pudesse ser universal. Não é preciso temer o fogo eterno para não sair atropelando os outros — basta perceber que o convívio humano depende de um mínimo de justiça, empatia e decência. A moral não precisa ser terceirizada para um livro sagrado: ela pode ser construída na carne, aqui e agora.

Mas o mundo não é só filosofia de manual. Quando o calo aperta, quando o vazio aparece, é fácil entender por que tanta gente recorre ao sagrado. Eu mesmo já me vi no limite — e, em vez de rezar, escolhi simplesmente continuar. Camus chamaria isso de enfrentar o absurdo: não pedir explicações ao universo, mas seguir respirando, por pura teimosia. A vida não precisa de um sentido cósmico para ser vivida.

Religiões, muitas vezes, oferecem uma anestesia perigosa: a promessa de recompensa futura que serve para suportar injustiças presentes. Mas viver sem dogma exige outra coragem: construir uma espiritualidade sem muros. Um pouco de budismo pode ajudar — não pelo pacote religioso, mas pela prática de atenção, aceitação e serenidade.

No fim, talvez seja isso: viver sem céu nem inferno é aprender a se contentar com o chão. É agir com ética sem esperar prêmio. É rir da própria finitude, até mesmo imaginando virar adubo (ainda que as cinzas humanas não sirvam para fertilizar nada). E, acima de tudo, aceitar que a dúvida não é fraqueza — é honestidade.

Epígrafe:
"A ausência de evidência não é evidência de ausência." — Carl Sagan


segunda-feira, agosto 11, 2025

📌 Post Extra — O Sagrado e o Humano

Se a religião fosse apenas um hobby, como colecionar selos ou aprender violão, não teria atravessado milênios, nem sobrevivido às guerras, às revoluções científicas e à internet.

Desde que o ser humano aprendeu a enterrar seus mortos, parece incapaz de viver sem tentar costurar uma narrativa maior que explique a própria existência. É aí que entra a religião: como sentido pronto, conforto imediato, e linguagem para o inexplicável.

Sigmund Freud, em O Futuro de uma Ilusão (1927), descreveu a religião como uma “ilusão necessária”, nascida do desejo por proteção e consolo diante da insegurança e da morte. Para ele, trata-se quase de uma “neurose coletiva” — não como ofensa, mas como um mecanismo psíquico natural, uma forma de nos acalmar diante do caos.

Já Émile Durkheim, pai da sociologia, via a religião como cimento social. Em As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), argumenta que ela nasce da necessidade de unir o grupo em torno de valores e símbolos comuns. A religião, para ele, é menos sobre adorar deuses e mais sobre a própria sociedade se venerando.

Carl Gustav Jung foi além: para ele, a religião expressa arquétipos do inconsciente coletivo. Não é opcional, como um passatempo; é manifestação inevitável de padrões profundos da psique humana — especialmente na busca por sentido.

Mircea Eliade, historiador das religiões, via o “sagrado” como dimensão fundamental da experiência humana. Para ele, somos homo religiosus por natureza: desde as primeiras pinturas rupestres até as catedrais, sempre marcamos o mundo com símbolos e rituais para lembrar que existe algo “além”.

E Viktor Frankl, criador da logoterapia e sobrevivente de campos de concentração, resumiu de forma talvez mais humana: a maior necessidade do homem é encontrar sentido. Para muitos, a religião cumpre exatamente esse papel — oferecer uma narrativa para a vida e para a morte.

Talvez por isso discutir religião seja tão difícil. Não é só sobre dogmas, ritos ou livros sagrados, mas sobre uma parte íntima da arquitetura mental humana. Um espaço onde, mesmo no silêncio, sempre ecoa a pergunta: por quê?

💭 Epígrafe:

"O homem pode viver sem muitas coisas. Mas até hoje ninguém viveu sem uma história para acreditar." 

🇯🇵 O Soldado Que Lutou Contra o Fim da Guerra (e o Medo de Acreditar na Paz)

  "Nem toda paz é fácil de acreditar. Especialmente depois de tanto tempo na trincheira." A Guerra que Terminou Lá Fora, Mas Não D...