🌠 E se o céu anunciasse o fim do mundo com um rastro de poeira cósmica?
Em 1910, o céu parecia ter perdido a compostura. A Terra atravessaria a cauda de um cometa, diziam os jornais. Um rastro de gás venenoso chamado cianogênio. Máscaras foram vendidas. Igrejas lotaram. Uns riam. Outros rezavam. Havia quem achasse que o fim estava próximo. O cometa Halley cruzava o céu — como vinha fazendo há séculos — mas dessa vez, com a ajuda da imprensa e do medo bem distribuído, virou estrela de um espetáculo de pânico.
🪐 E pensar que, no fundo, era só gelo sujo iluminado pelo Sol.
Mas que gelo.
Que brilho.
Que história.
🧠 O cometa que previu o futuro
O Halley tem nome de astrônomo inglês — Edmund Halley, que em 1705 fez a coisa mais ousada da época: usou matemática para prever o futuro. Analisando registros anteriores (1531, 1607, 1682), ele percebeu que era sempre o mesmo cometa que voltava, feito um relógio cósmico, a cada 76 anos. E disse: “Ele voltará em 1758.” Não viveu pra ver, mas o cometa apareceu. E ganhou nome.
Mas o Halley era velho antes mesmo de ganhar apelido.
Registros chineses, babilônicos, europeus...
Provavelmente foi visto por Júlio César, por monges medievais, por navegadores e reis. É provável que tenha cruzado os céus da Batalha de Hastings, em 1066, causando tanto assombro que foi parar na famosa tapeçaria de Bayeux.
Cada vez que passava, era presságio: de guerra, de peste, de renovação.
E sempre voltava.
😱 1910: o cometa do apocalipse
Em 1910, ele resolveu caprichar.
Passou mais perto. Visível a olho nu.
E aí, claro, o caos.
Jornais lucravam com manchetes que diziam que morreríamos intoxicados. Cientistas se dividiam entre acalmar e alimentar o frenesi. As pessoas compravam filtros de ar “anticometas”. O mundo reagiu como o mundo sempre reage ao desconhecido: com uma mistura de superstição, marketing e medo irracional.
🧓 1986: minha epifania silenciosa
Corta para 1986.
Eu tinha 12 anos e olhos de quem ainda acreditava que tudo podia ser mágico. A mídia prometia: o Halley vai voltar. Era a sua vez de brilhar no céu da nossa geração.
Mas dessa vez, ele foi tímido.
Passou mais longe. A poluição luminosa das cidades atrapalhou. Muitos disseram:
“Ah, foi uma decepção.”
“Nem vi nada.”
“Só um pontinho.”
Eu, por outro lado, vi.
Lembro até hoje: me disseram para olhar perto da cauda da constelação de Escorpião.
E lá estava. Um pontinho fixo, sem piscar. Frio. Solitário. Indiferente a nós.
E ainda assim, cheio de significado.
Era ele.
Enquanto meus amigos cochilavam ou diziam “que chato”, eu fiquei ali, deitado no quintal, com o pescoço doendo e o coração meio acelerado, tentando compreender aquilo. Aquele cometa era o mesmo que assustou o mundo em 1910. Que iluminou a tapeçaria medieval. Que foi visto por homens e mulheres de todos os séculos. E que agora cruzava o mesmo céu — o meu céu.
⏳ 2061: estarei aqui para vê-lo novamente?
E aí veio o pensamento que ainda carrego:
Em 2061, ele volta.
Se eu estiver vivo, terei 88 anos.
Quem sabe?
Talvez eu o veja de novo. Talvez não. Mas só o fato de pensar nisso já me emociona.
Porque o Halley não é só um cometa.
É um lembrete.
De que estamos numa dança muito maior do que nós.
De que o tempo passa, sim, mas há coisas — algumas muito distantes — que retornam.
Rítmicas. Fiéis. Frias. Eternas.
O Halley nos lembra que somos passageiros, mas não insignificantes.
Ele guarda histórias. Mistura ciência, fé, medo e poesia.
Serve de espelho para cada geração.
Uns o temeram, outros o ignoraram, outros, como eu, se encantaram com sua modéstia. Seu brilho discreto.
Hoje, com mais da metade da vida atrás de mim, penso no Halley com saudade antecipada. Me pergunto se, no futuro, uma criança de 12 anos vai olhar para cima e encontrar, perto de Escorpião, um ponto fixo e silencioso.
E se ela vai sentir o mesmo que eu senti.
Se isso acontecer, então o cometa terá cumprido sua missão mais bonita: atravessar não apenas o céu, mas também o tempo e os corações.
🌌 Talvez eu esteja aqui para vê-lo de novo.
🌌 Talvez não.
🌌 Mas não importa. Ele virá.
🌌 E alguém o verá.
🌌 E isso já basta