
Epígrafe: "O que nos impede de subir ao Olimpo não é a falha que não vemos, mas a falha que escolhemos ostentar."
O Perfil do Semideus Corporativo
Todos nós temos aquele colega que parece ter saído de um laboratório de otimização humana. No meu caso, o gênio é gente boníssima, e um poço de inteligência. Estamos falando de um indivíduo que consegue destruir um manual complexo em poucas horas e domina a arte da escrita de ficção a ponto de auxiliar outros na complexa alquimia narrativa. Um verdadeiro fenômeno.
Em qualquer sistema de avaliação de desempenho, ele seria o bug positivo: o único erro é não ser o chefe.
O problema de conviver com a perfeição é que ela é insuportável. E é por isso que ele precisa do seu pecado essencial.
A Rebelião do Pronome Oblíquo Átono
Apesar de toda a sua maestria intelectual, ele mantém uma falha deliberada e absurdamente teimosa: a recusa em admitir que, na linguagem culta do português brasileiro, não se iniciam frases com pronome oblíquo átono (o famoso "Me empresta," "Te ligo" da fala informal).
Eu brigo e imploro para "pesquisar no Google", e ele simplesmente não cede. É uma afronta gratuita e consciente à norma gramatical que ele, com sua inteligência, demoraria três segundos para absorver.
Essa insistência não é ignorância. É rebeldia estratégica.
O Argumentum Ad Hominem Que Falha
O mais fascinante é como ele usa essa falha como um escudo.
Cansado da teimosia, eu apelo à zoeira sem limites. Mando argumentum ad hominem pesados, ironizo a sua vida, zoando até a opção sexual — aquela zoeira de ambiente de trabalho que só é possível entre amigos.
E o que ele faz? Ele só ri. Ele me humilha do alto da sua tranquilidade olímpica.
A inteligência dele neutraliza a provocação, e a falha gramatical o torna imune. É a prova de que a nossa raiva reside na perfeição alheia, e não na falha em si.
A Âncora de Mortalidade
Minha teoria é simples: ele tem medo do Olimpo.
Se ele admitisse que essa regra gramatical existe e a corrigisse, ele se tornaria, de fato, o ser humano perfeito. Ele ascenderia à perfeição lógica e nos abandonaria, reles mortais que ainda erramos no uso das vírgulas e das concordâncias.
O erro do pronome oblíquo átono não é uma falha; é o seu Mantra da Mortalidade. É a anomalia que ele ostenta para dizer: Eu sou um gênio, sim, mas ainda cometo o erro mais básico do português brasileiro. Eu sou, portanto, humano.
A grande lição dele não está nos manuais complexos que ele decifra, mas na falha que ele se permite manter. É a última e mais sofisticada forma de humildade.



