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quinta-feira, outubro 30, 2025

💘 O Tratado do Amor Cortês (e Outras Idealizações que Chamamos de Amor)

Epígrafe: "A diferença entre o amor cortês e o moderno é que, hoje, idealizamos alguém com Wi-Fi."

O Tratado de Capelão e a Melancolia do Ideal

Comprei o Tractatus de Amore (Tratado do Amor Cortês), de André Capelão, por dois motivos simples.

Primeiro, porque ele foi escrito no século XII — e há algo fascinante em folhear um livro que já refletia, há quase mil anos, sobre algo que ainda não entendemos completamente: o amor. Segundo, porque foi impossível resistir à ironia de ter um livro sobre amor escrito por alguém que se chamava André. (Os sinais estão em toda parte, não é mesmo?)

O mais curioso é pensar que, mesmo depois de séculos, a essência das relações amorosas parece pouco ter mudado, apenas se modernizado.

O Amor na Distância e na Ausência

O amor cortês, segundo o autor, era um tipo de amor idealizado, quase místico — platônico no sentido mais literal da palavra. Era o amor que nascia da distância, que se alimentava da ausência, e que florescia na impossibilidade.

O cavaleiro amava a dama, mas não podia tocá-la. Amava como quem reza: de longe, com devoção e sofrimento.

Soa familiar?

Hoje, o cavaleiro virou seguidor, e a dama virou perfil. Trocamos os castelos por timelines, os trovadores por mensagens diretas (DMs) e os suspiros por notificações. Mas a estrutura mental continua a mesma: idealizamos pessoas que mal conhecemos, projetamos nelas o que gostaríamos de ver — e chamamos isso de amor.

Do Trovador ao Algoritmo

No século XII, o amor era um jogo de códigos e símbolos de nobreza. Hoje, é um jogo de matches e algoritmos. Mas em ambos os casos, a lógica é parecida: quanto mais inalcançável ou filtrada a pessoa, mais desejável e perfeita ela parece.

E talvez essa seja a parte mais perversa (ou poética) do amor humano: não amamos o outro real, amamos o que o outro desperta em nós.

A dama idealizada do amor cortês podia muito bem ser uma pessoa comum, com hábitos mundanos e pensamentos nada nobres — mas, na mente do cavaleiro, ela era o próprio ideal da virtude. Assim como hoje, aquele “amor de rede social” pode ser alguém que, fora do filtro, também tem mau humor, inseguranças e uma pia cheia de louça.

A Perversidade da Idealização

O Tractatus de Amore é quase um manual de etiqueta emocional: ensina como amar com nobreza, como sofrer com elegância e, principalmente, como manter o amor impossível vivo — porque, paradoxalmente, o impossível dura mais que o real.

E talvez, no fundo, continuemos praticando a mesma arte: a de desejar o que não podemos ter, só que com emojis.

Se André Capelão escrevesse hoje, talvez dissesse: “O amor é o encontro entre dois algoritmos que, por acaso, se seguiram.”

E nós, os modernos cavaleiros digitais, seguimos idealizando, projetando, escrevendo tratados disfarçados de mensagens, tentando entender o que os poetas do século XII já sabiam: que o amor é menos uma resposta e mais uma pergunta que atravessa os séculos — sempre com a mesma melancolia.



🎧 O Eremitismo Mental Produtivo (A Arte de Ligar o Botão Fd-$)

  Epígrafe: "O mundo é como uma notificação irritante: você precisa silenciá-lo para conseguir ler o que está escrito dentro de si....