O Aviso e a Quebra do Protocolo
Meu amigo vive repetindo uma frase, e jura que fui eu quem a disse a ele primeiro: "Não crie expectativas. E não desperdice oportunidades." Eu sempre nego a autoria, mas confesso que ela só fez sentido para mim em um dia específico, num ambiente improvável: a porta de um concurso público.
Eu estava lá, na minha bolha de concurseiro, com meus fones de ouvido — o escudo universal contra a tagarelice alheia e as lamúrias sobre "salário baixo" e "cartas marcadas". Meu protocolo era claro: concentração e silêncio.
Até que uma desconhecida, com uma coragem invejável, sentou ao meu lado e quebrou o protocolo com a lucidez de um spoiler existencial:
“Tenho certeza que você está com fones para não conversar com ninguém... mas acho que se a gente conversar, vamos entrar mais tranquilos.”
O sorriso foi inevitável.
A Serendipidade Humana
Eu não lembro o concurso, nem a matéria. Nem a classificação (o que, no mundo concurseiro, é o mesmo que dizer: não passei). Mas lembro daquele alívio que veio na conversa. Ela era do Sul, veio sozinha, estava em um hotel, e esperava ser chamada para um cargo que já havia passado lá em Goiás — um marco, um farol de esperança para qualquer um ali.
Falamos de tudo e de nada: a logística da viagem, o nervosismo, as apostas baixas que fazíamos para essa prova específica. Foi uma gentileza momentânea, uma sombra fresca em um dia quente. Um encontro puro, sem segundas intenções.
Quando o portão abriu, subimos juntos a escada da escola. Ela entrou em uma sala no andar de baixo. Um beijinho de despedida, sem nomes, sem redes sociais, e... fim. Não sei o nome, e juro que não lembro do rosto. Mas lembro da sensação de paz que ela me deu.
Eu estava ali para não desperdiçar a oportunidade de passar na prova, mas a oportunidade que realmente valeu a pena foi a de conversar com uma estranha por dez minutos.
Talvez alguns encontros não estejam no mapa da vida. Mas estão marcados com caneta permanente em algum canto da memória.