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Tentando tapar os buracos na minha cabeça...
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domingo, agosto 24, 2025

O TikTok Descobriu o Xamã que Mora em Você

 
O ser humano sempre buscou ritual. Desde pinturas rupestres até procissões religiosas, precisamos de símbolos, gestos e narrativas que deem forma ao invisível. A diferença é que, em 2025, o altar pode ser uma ring light e o templo, um feed infinito.

No TikTok, a espiritualidade virou espetáculo portátil: danças com cristais na mão, vídeos de astrologia em cortes rápidos, rituais de limpeza energética embalados em filtros neon e sinos tibetanos em câmera lenta. O sagrado foi editado em 15 segundos, com trilha sonora e hashtags.

A crítica óbvia seria dizer que isso é superficialidade — uma caricatura de tradições milenares. Mas talvez haja algo mais profundo acontecendo: um retorno ao ritual como performance pública. Não importa se é para invocar energia, atrair sorte ou simplesmente acumular likes; o gesto em si já cria sentido, ainda que efêmero.

É claro, a fronteira entre espiritualidade e entretenimento fica borrada. Estamos rezando, dançando ou só encenando? Talvez um pouco de tudo. Como diria Clifford Geertz, antropólogo das culturas, os rituais são maneiras de dizer ao mundo quem somos. No TikTok, dizemos isso com coreografias sincronizadas e frases de autoajuda embutidas em trend.

E aí surge a pergunta: estamos caminhando para uma “Idiocracy espiritual”, onde cada crença vira meme, ou para um espaço mais democrático, onde qualquer um pode brincar de xamã? Talvez ambas as coisas.

Seja como for, a busca continua. O palco mudou, os filtros mudaram, mas o instinto de ritualizar segue intacto. No fim, entre um signo explicado em 30 segundos e uma coreografia com palo santo, talvez só estejamos atualizando uma necessidade tão antiga quanto a fogueira: criar sentido juntos, mesmo que seja com dancinhas.

quarta-feira, junho 25, 2025

Eco e Narciso no Instagram

 📱 Ela queria ser ouvida.

Ele, admirado.
Eco e Narciso continuam entre nós — agora com Wi-Fi, câmera frontal e filtro Valência.

📖 No mito original, Eco é uma ninfa condenada a apenas repetir as palavras dos outros. Sem voz própria. Sem resposta. Apaixona-se por Narciso, o belo jovem que só tem olhos para si mesmo — literalmente. Encantado com seu reflexo na água, ele não percebe ninguém ao redor. Nem a dor, nem o amor de Eco.
O desfecho, como sabemos, é trágico para ambos.
Mas parece mais atual do que nunca.


📸 A tragédia virou interface

Hoje, Eco grita nas redes: em comentários ignorados, áudios não respondidos, postagens que ninguém escuta de verdade. Fala, fala, fala — mas só encontra o eco do próprio feed.

Narciso, por sua vez, posta.
Reposta.
Analisa ângulos.
Corrige imperfeições com filtro e contraste.
Não quer ser apenas visto — quer ser idealizado.
E o espelho d’água virou tela de vidro.

🧠 Não é preciso muito para perceber: estamos cercados de Ecos tentando se conectar e de Narcisos tentando se admirar — mas todos em bolhas que raramente se tocam.


🔍 Mas e se Eco tivesse um perfil verificado?

Talvez Eco ganhasse seguidores, virasse tendência.
Mas será que alguém a escutaria de verdade?
Ouvir exige pausa.
E a atenção — esse bem escasso da era digital — anda sempre comprometida com o próximo story.

💡 O problema não é postar.
Nem se gostar.
O problema é quando tudo se torna reflexo — e nada mais é contato.


🧩 Narciso nunca quis se conhecer. Quis se admirar.

Há uma diferença entre autoconhecimento e autoimagem.
E o Instagram (ou qualquer rede) pode ser espaço para ambos — ou para nenhum.
Depende de como usamos.
De quanto tempo passamos olhando… sem enxergar.

🪞Quando só vemos nossa própria imagem, esquecemos que o outro existe.
Quando só falamos, esquecemos que o silêncio também comunica.
E quando tudo vira performance, o afeto vira platéia.


📎 A mitologia nunca sai de moda. Só troca o filtro.

Eco ainda quer ser ouvida.
Narciso ainda se encanta com o próprio reflexo.
E nós, espectadores e protagonistas ao mesmo tempo, seguimos tentando nos equilibrar entre o desejo de ser vistos e a vontade genuína de ver.

🌿 Talvez o desafio seja esse:
ser menos Eco, menos Narciso — e mais humano.
Escutar com presença.
Se mostrar com verdade.
E lembrar que, no fim das contas, a água do mito ainda reflete o que somos… com ou sem curtidas.

🎧 O Eremitismo Mental Produtivo (A Arte de Ligar o Botão Fd-$)

  Epígrafe: "O mundo é como uma notificação irritante: você precisa silenciá-lo para conseguir ler o que está escrito dentro de si....