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Tentando tapar os buracos na minha cabeça...
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sexta-feira, outubro 31, 2025

🧠 Sapiosexual (ou: O Mito de Quem Acha que Escolhe se Apaixonar)

 Epígrafe: "A inteligência encanta. Mas é o afeto que permanece."

A Idealização Elegante

De uns tempos para cá, começou a pipocar um termo que soa chique, quase científico: sapiosexual.

A definição é simples — seria alguém que "só se apaixona por pessoas inteligentes". Bonito, não é? Quase dá para colocar no currículo, junto de "proativo" e "bom trabalho em equipe".

Mas será que essa paixão é realmente guiada por um teste de QI?

Talvez, no fundo, o discurso não seja tanto sobre o fascínio pela inteligência, mas sobre filtros emocionais disfarçados de erudição. O discurso "só me interesso por mentes brilhantes" muitas vezes soa mais como uma defesa do que como uma preferência:

  • "Ninguém me entende."

  • "Ninguém me acompanha."

  • Ou, na pior das hipóteses: "Ninguém me aguenta, então preciso de um critério elevado para justificar minha seletividade."

O Caos Biológico

A verdade, inconveniente e caótica, é que ninguém escolhe se apaixonar.

A gente tenta racionalizar o que é pura desordem bioquímica, um vendaval de hormônios e histórias que decide se instalar sem pedir licença. E mesmo quem jura que só se apaixona por mentes geniais, cedo ou tarde descobre que até o cérebro mais brilhante do mundo pode ser um desastre afetivo e um péssimo companheiro para montar móveis.

Eu entendo — também gosto de boas conversas, de gente que me instiga e me tira da zona de conforto. Mas amor não é uma tese de doutorado.

É uma colisão de histórias, manias, cheiros, risadas fora de hora e silêncios que fazem sentido. É a aceitação mútua de que somos, todos, bagunçados.

E, sinceramente, se for para amar só quem cita Nietzsche ou debate física quântica, que seja ao menos alguém que saiba rir de si mesmo logo depois da citação.

O Verdadeiro Foco

Talvez o verdadeiro critério de atração sustentável seja outro. Não a inteligência crua, mas a inteligência emocional.

O verdadeiro "sapiosexual" talvez seja aquele que entende que inteligência sem empatia é apenas vaidade travestida de charme. Ela pode te atrair para a conversa, mas é a capacidade de afeto e de conexão humana que faz você ficar para o café da manhã.

Afinal, a inteligência encanta e abre portas. Mas é o afeto que permanece, que acolhe a bagunça e que transforma o caos em lar.

quinta-feira, outubro 30, 2025

💘 O Tratado do Amor Cortês (e Outras Idealizações que Chamamos de Amor)

Epígrafe: "A diferença entre o amor cortês e o moderno é que, hoje, idealizamos alguém com Wi-Fi."

O Tratado de Capelão e a Melancolia do Ideal

Comprei o Tractatus de Amore (Tratado do Amor Cortês), de André Capelão, por dois motivos simples.

Primeiro, porque ele foi escrito no século XII — e há algo fascinante em folhear um livro que já refletia, há quase mil anos, sobre algo que ainda não entendemos completamente: o amor. Segundo, porque foi impossível resistir à ironia de ter um livro sobre amor escrito por alguém que se chamava André. (Os sinais estão em toda parte, não é mesmo?)

O mais curioso é pensar que, mesmo depois de séculos, a essência das relações amorosas parece pouco ter mudado, apenas se modernizado.

O Amor na Distância e na Ausência

O amor cortês, segundo o autor, era um tipo de amor idealizado, quase místico — platônico no sentido mais literal da palavra. Era o amor que nascia da distância, que se alimentava da ausência, e que florescia na impossibilidade.

O cavaleiro amava a dama, mas não podia tocá-la. Amava como quem reza: de longe, com devoção e sofrimento.

Soa familiar?

Hoje, o cavaleiro virou seguidor, e a dama virou perfil. Trocamos os castelos por timelines, os trovadores por mensagens diretas (DMs) e os suspiros por notificações. Mas a estrutura mental continua a mesma: idealizamos pessoas que mal conhecemos, projetamos nelas o que gostaríamos de ver — e chamamos isso de amor.

Do Trovador ao Algoritmo

No século XII, o amor era um jogo de códigos e símbolos de nobreza. Hoje, é um jogo de matches e algoritmos. Mas em ambos os casos, a lógica é parecida: quanto mais inalcançável ou filtrada a pessoa, mais desejável e perfeita ela parece.

E talvez essa seja a parte mais perversa (ou poética) do amor humano: não amamos o outro real, amamos o que o outro desperta em nós.

A dama idealizada do amor cortês podia muito bem ser uma pessoa comum, com hábitos mundanos e pensamentos nada nobres — mas, na mente do cavaleiro, ela era o próprio ideal da virtude. Assim como hoje, aquele “amor de rede social” pode ser alguém que, fora do filtro, também tem mau humor, inseguranças e uma pia cheia de louça.

A Perversidade da Idealização

O Tractatus de Amore é quase um manual de etiqueta emocional: ensina como amar com nobreza, como sofrer com elegância e, principalmente, como manter o amor impossível vivo — porque, paradoxalmente, o impossível dura mais que o real.

E talvez, no fundo, continuemos praticando a mesma arte: a de desejar o que não podemos ter, só que com emojis.

Se André Capelão escrevesse hoje, talvez dissesse: “O amor é o encontro entre dois algoritmos que, por acaso, se seguiram.”

E nós, os modernos cavaleiros digitais, seguimos idealizando, projetando, escrevendo tratados disfarçados de mensagens, tentando entender o que os poetas do século XII já sabiam: que o amor é menos uma resposta e mais uma pergunta que atravessa os séculos — sempre com a mesma melancolia.



🎧 O Eremitismo Mental Produtivo (A Arte de Ligar o Botão Fd-$)

  Epígrafe: "O mundo é como uma notificação irritante: você precisa silenciá-lo para conseguir ler o que está escrito dentro de si....