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Tentando tapar os buracos na minha cabeça...
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quinta-feira, junho 19, 2025

Voltaire, cafés, prisões e um último passeio por Paris

 

“Se o café é veneno, ao menos é um veneno lento… e delicioso.”
Ninguém sabe se Voltaire disse exatamente assim, mas a lenda faz sentido: conta-se que ele bebia quarenta xícaras por dia, muitas delas turbinadas com chocolate. Entre goles apressados, o filósofo iluminista escrevia cartas ferinas, peças de teatro e tratados que fariam reis espumar de raiva — e leitores vibrarem de riso.


🏰 Da Bastilha ao banimento (e volta)
François-Marie Arouet, o Voltaire, nasceu em 1694 e logo aprendeu que palavras têm preço. Aos 23 anos, uma piada sobre o Regente lhe rendeu a primeira temporada na Bastilha. Ali, transformou a cela em gabinete literário e decidiu trocar o próprio sobrenome por um anagrama audacioso: Voltaire. Saiu da prisão mais famoso do que entrou, mas também vigiado para sempre.
Quando, anos depois, voltou a provocar nobres poderosos, ganhou de brinde a expulsão de Paris. Foi exilado para a Inglaterra, onde descobriu as liberdades do café londrino, devorou Locke, admirou Newton e aprendeu que a tolerância pode ser uma virtude política — não apenas cristã.


💡 O iluminista incendiário
De volta ao continente, Voltaire virou usina de ideias: poemas satíricos, tragédias gregas reimaginadas, panfletos contra o fanatismo religioso. Em parceria (e disputa amigável) com Diderot e d’Alembert, ajudou a fomentar a Enciclopédia, aquele audacioso Google do século XVIII que queria reunir todo o saber humano em prateleiras de papel.
Ele atacava a Igreja quando esta se confundia com tirania, mas também criticava filósofos de gabinete que ignoravam o povo. Seu lema oficioso — “Esmagai a infame!” — tinha endereço certo: a intolerância travestida de dogma.


🎲 O golpe de mestre na loteria do rei
Pouca gente lembra que Voltaire também foi matematicamente travesso. Em 1729, aliou-se a um amigo matemático para explorar uma falha nas regras da loteria estatal francesa: compraram bilhetes estratégicos, repartiram o prêmio astronômico e garantiram a independência financeira do filósofo. Moral da história? Às vezes a razão ilumina bolsos antes de iluminar mentes.


📚 Livros que cortam como espada

  • Cartas Filosóficas (1734): análise apaixonada da Inglaterra liberal; proibido na França.

  • Cândido (1759): sátira implacável ao otimismo ingênuo; leituras rápidas, reflexões longas.

  • Tratado sobre a Tolerância (1763): defesa de Jean Calas, protestante injustamente executado; um manifesto ainda atual.
    Cada obra traz a marca registrada de Voltaire: ironia rasgada, frases curtas, argumentos afiados.


⚖️ Entre cafeteiras e tribunais
Voltaire usava salões parisienses como plataformas de debate. Mas, expulso da capital, montou seu próprio “reino” em Ferney, na fronteira com a Suíça. Ali recebia visitantes, escrevia sem censura imediata e gerenciava a produção de relógios e sedas que enriqueciam a região. Liberdade também se cultiva com gestão pragmática.


🔍 O detalhe poético do fim
Em 1778, depois de quase trinta anos longe, Voltaire voltou a Paris para apresentar uma peça. Foi recebido como estrela pop: multidões na porta, condecorações, jantares. Morreu poucas semanas depois — dizem que entre páginas e canecas de café. Ironicamente, a Igreja proibiu o enterro em solo sagrado. Resultado: o corpo foi levado de contrabando, à noite, num coche coberto.
Treze anos mais tarde, já em plena Revolução, seus restos mortais desfilaram triunfalmente pelas ruas de Paris rumo ao Panteão. A cidade que o banira aclamou-o com tochas e música. A carroça fúnebre virou cortejo cívico: última gargalhada do velho satírico.


❤️ Por que eu dividiria uma xícara com Voltaire
Porque ele unia sarcasmo e ternura. Sabia que rir de reis e padres era, antes de tudo, um gesto de esperança. Porque defendia a dúvida como passatempo nobre, a liberdade como espuma de café obrigatória. E porque, mesmo milionário de loteria, não parou de cutucar o poder — “escrever é agir”, dizia. Entre goles de arábica, acho que trocaríamos deboches sobre algoritmos modernos, fanatismos reciclados, loterias criptográficas… e talvez ele me lembrasse: “Se o café não acordar sua razão, nada mais acordará.”

sábado, junho 14, 2025

O dilema do porco-espinho: entre a solidão e o afeto

🦔 "Se nos aproximamos demais, nos ferimos; se mantemos distância, sentimos frio."

Essa antiga metáfora, originalmente atribuída a Arthur Schopenhauer, atravessa os séculos e ganha nova roupagem nas mãos de Leandro Karnal em O Dilema do Porco-Espinho. Em poucas páginas, ele nos conduz por um caminho de reflexões sobre a delicada arte de conviver — onde o calor humano e os espinhos emocionais coexistem em permanente tensão.

📖 O livro, enxuto e elegante, parte de um problema simples, mas profundo: como manter vínculos sem nos machucarmos? A imagem dos porcos-espinhos tentando se aquecer numa noite fria, mas se ferindo ao se aproximarem, é uma analogia poderosa para quem já viveu (e quem não?) os dilemas das relações humanas. O medo da dor nos afasta. O medo da solidão nos aproxima. E, entre esses extremos, passamos a vida tentando encontrar o ponto de equilíbrio.

🧠 Karnal não oferece receitas prontas — e talvez essa seja uma de suas maiores virtudes. Em vez de prometer fórmulas de sucesso para o afeto, ele nos convida a pensar sobre o preço da conexão e o custo do isolamento. Em uma era marcada por redes sociais e vínculos líquidos, essa reflexão soa mais atual do que nunca. Afinal, vivemos cercados de contatos e, ainda assim, muitas vezes experimentamos uma solidão densa, quase sólida.

🔍 Ao longo do livro, o autor costura referências filosóficas e literárias com episódios da própria vida e observações do cotidiano. E é nesse ponto que O Dilema do Porco-Espinho deixou sua marca em mim. Porque, mais do que uma leitura intelectual, ele despertou memórias — das vezes em que me aproximei demais e me machuquei, ou das que me afastei por medo e acabei congelando por dentro.

💭 Uma das passagens mais marcantes é a que aborda a diferença entre estar só e sentir-se só. Karnal lembra que a solitude pode ser produtiva, criativa, até terapêutica. Mas quando a solidão vira ausência de vínculos significativos, ela pode se tornar um fardo pesado. Saber reconhecer essa linha tênue é parte do amadurecimento emocional que o livro nos convida a trilhar.

👫 Outro ponto provocador é a ideia de que os espinhos são inevitáveis. Não existe relação humana isenta de atritos, desentendimentos ou dores. Tentar evitar completamente o sofrimento é, paradoxalmente, o caminho mais certo para o isolamento. Como escreve o próprio Karnal, “a perfeição das relações só existe nos delírios da fantasia. Na realidade, o afeto é sempre um risco."

🌱 E talvez aí esteja o recado mais importante da obra: amar, conviver, se importar — tudo isso implica aceitar certo grau de vulnerabilidade. Nos aproximamos sabendo que pode doer. Mas também na esperança de que o calor do outro compense os possíveis espinhos. Viver é, no fundo, esse exercício de coragem mansa.

📚 Quando fechei o livro, não me senti com mais respostas. Mas com perguntas melhores. E isso, para mim, já é sinal de uma leitura transformadora.
Porque, afinal, quem nunca se viu como um porco-espinho emocional? Aproximando-se com cuidado, afastando-se com dor, buscando uma dança possível entre afeto e autoproteção.

O Dilema do Porco-Espinho não é um tratado filosófico, nem uma autoajuda açucarada. É um convite sincero à reflexão — e, como todo bom convite, só faz sentido se aceitamos entrar na conversa de coração aberto.

🧩 No fim, talvez a vida seja mesmo esse vai e vem de espinhos e abraços, de distâncias que machucam e proximidades que curam. E, com sorte, aprendemos aos poucos a regular essa dança com mais delicadeza, mais escuta e menos medo.

terça-feira, junho 10, 2025

E se você estivesse vivo há 14 mil anos?

 

📽️ Já imaginou estar vivo por 14 mil anos? Parece loucura, né? Mas é exatamente essa ideia maluca — e fascinante — que o filme “O Homem da Terra” (2007) traz para a mesa de discussão.

🧓 O filme, disponível no YouTube e bem “quase independente” (ou seja, feito com orçamento apertado e muita criatividade), mostra John Oldman, um professor que decide sair de sua rotina para revelar um segredo bombástico aos colegas: ele vive desde a pré-história, atravessando séculos e culturas.

🎬 Sim, o roteiro é simples, praticamente um diálogo em uma casa, mas o que o torna especial é a profundidade das conversas e o poder das ideias lançadas ali, que fazem a gente coçar a cabeça e pensar: e se isso fosse verdade?


🕰️ Viver 14 mil anos é mais do que apenas acumular anos no passaporte do tempo. É testemunhar a evolução humana, os altos e baixos das civilizações, as mudanças de paradigmas, as guerras, a ciência, as religiões… É carregar memórias e saberes que ninguém mais tem, mas também viver a solidão de ser um “outsider” em um mundo que muda sem você.

💡 O filme consegue, com poucos recursos, criar uma reflexão poderosa: será que o tempo, para nós, é apenas uma linha reta? Ou há camadas e histórias tão profundas que a simples ideia de envelhecer e morrer é muito mais complexa?


🤔 A conversa entre John e seus amigos — historiadores, cientistas, filósofos — levanta várias questões instigantes:

  • Como seria testemunhar o nascimento e o fim de religiões? John afirma ter inspirado muitas delas, incluindo o cristianismo, o que abre debates acalorados na trama.
  • Que impactos emocionais e psicológicos uma vida tão longa causaria? O peso da perda contínua, a dificuldade em se apegar às pessoas sabendo que elas não vão durar.
  • A solidão existencial — ser eterno e ainda assim, tão humano.

📚 E o que a ciência diz? Claro, a ideia de um ser humano vivendo milhares de anos é pura ficção. Mas a longevidade é um tema quente em pesquisas hoje: cientistas exploram como estender a vida saudável, retardar o envelhecimento, entender os limites biológicos.

🧬 Enquanto isso, o filme joga luz sobre a questão filosófica: se tivéssemos todo esse tempo, o que faríamos? O tempo é um recurso ou uma prisão?


👀 Para além da ficção, “O Homem da Terra” nos faz pensar sobre o próprio modo como vivemos. Em nossa rotina frenética, com prazos, redes sociais e ansiedade, a vida parece cada vez mais curta — ou será que estamos simplesmente perdendo a capacidade de valorizar o presente?

Talvez o segredo esteja em aprender a desacelerar, valorizar as conexões verdadeiras, as histórias que contamos, e, principalmente, aceitar que tudo é passageiro.


🌍 A longevidade de John Oldman é, ao mesmo tempo, um presente e uma maldição. O filme é um convite para olhar o tempo sob outro ângulo, enxergar a história não como um monte de fatos secos, mas como uma tapeçaria viva feita de experiências humanas profundas.

📺 Se ainda não assistiu, vale a pena dar uma chance. E se já viu, talvez seja hora de rever com outros olhos — a conversa nunca fica velha.


🤷‍♂️ E você? Como seria estar vivo por 14 mil anos? Imortal, mas talvez mais solitário que nunca? Com histórias demais para contar e poucos para ouvir?

🗣️ O filme deixa o espaço para essa reflexão — e aí, qual sua resposta?


📝 Curiosidade rápida: o filme foi escrito e dirigido por Richard Schenkman com um orçamento minúsculo, mas ganhou um status cult justamente por provocar reflexões densas com simplicidade.

🎥 Ah, e só para esclarecer, essa versão é a de 2007, ok? A de 2017 não tem muita fama boa... rs


📚 Para quem curte misturar filosofia, ciência e um pouco de sci-fi raiz, “O Homem da Terra” é daqueles filmes que a gente lembra por dias.

🕵️‍♂️ É a prova que não precisa de muitos efeitos especiais para fazer a mente viajar — só boas ideias e diálogos afiados.

A Segunda Guerra dos Livros

  🧙‍♂️🦁 Um anel que precisa ser destruído. Um armário que leva a outro mundo. Duas obras, dois autores, dois universos — e uma amizade c...