
Epígrafe: "O passado é uma terra estrangeira. Eles fazem as coisas de uma forma diferente lá."
Vivemos sob a ilusão de que a nossa crise é a mais inédita, que o nosso estresse é o mais insuportável e que os nossos problemas são os mais complexos que a humanidade já enfrentou.
Chamo isso de Síndrome da Miopia Histórica (SMH): a incapacidade de colocar as nossas dificuldades em perspectiva temporal. A SMH transforma o "agora" em um tirano, nos convencendo de que tudo é urgente, novo e sem precedentes.
Essa síndrome nos rouba uma ferramenta essencial: a memória e a humildade. Se tivéssemos a perspectiva histórica ligada, entenderíamos que as soluções (e os fracassos) para os nossos conflitos atuais provavelmente já foram testados em outras guerras, pandemias ou crises econômicas.
O Questionamento dos Netos Alemães
A miopia histórica fica mais evidente quando olhamos para trás e julgamos quem veio antes.
Em uma discussão sobre o nazismo, o escritor Leonel Caldela (que morou na Alemanha) mencionou que, nas décadas de 80 e 90, os jovens alemães tinham o hábito de confrontar seus avós e pais: "Por que vocês aceitaram o que fizeram durante a Segunda Guerra? Como vocês aceitaram aquele carinha do bigode e suas ideias absurdas?"
É um questionamento fácil e moralmente correto. Mas é o auge da Miopia Histórica.
É simples julgar com 80 anos de hindsight, com todos os livros de história escritos e todos os crimes revelados. O que a juventude (e nós, em nossos julgamentos diários) ignora é a complexidade do contexto: a propaganda, o medo do vizinho, o colapso econômico e o sequestro da razão que tornavam a escolha (ou a inação) muito menos óbvia naquele momento.
A Lição da Perspectiva
O desafio da Miopia Histórica é justamente este: entender que a pessoa no passado não sabia que estava no passado.
O avô alemão não acordou pensando: "Hoje farei uma escolha moralmente indefensável que será julgada por três gerações." Ele estava tentando sobreviver ao seu próprio "agora", com as informações e as pressões daquele dia.
A humildade da perspectiva histórica nos ensina duas coisas:
Não Somos Únicos: As suas ansiedades sobre o futuro, por piores que sejam, não são inéditas. A humanidade já sobreviveu a piores.
Seremos Julgados: Nossas escolhas de "agora" (o que postamos, o que ignoramos, o que escolhemos consumir) serão as decisões "absurdas" que a próxima geração irá julgar.
Expandir a nossa consciência temporal é o único antídoto contra a tirania do Agora. É só assim que ganhamos a perspectiva necessária para encarar a nossa crise com mais calma e menos histeria.
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