
Epígrafe: "Todo homem é apenas um homem. E a decepção é a única certeza da idolatria."
A Surpresa de South Park
Existe um episódio de South Park que sempre me deixou com uma pulga atrás da orelha. Aquele em que Cartman se congela, mas, na trama secundária, Richard Dawkins é trazido para a escola para ensinar evolução.
Na época, eu nutria uma admiração genuína por Dawkins. O geneticista, o divulgador científico, o criador do termo meme (no sentido original, de unidade cultural). Mas o desenho, conhecido por sua crítica ferrenha, o transformava em piada. Eu não entendia o porquê. Como um ícone da razão podia ser tão ridiculizado?
O tempo passou. A admiração não sumiu, mas a ingenuidade sim. Com o advento da informação acessível (e com alguma pesquisa sobre as polêmicas recentes), a piada de South Park começou a fazer sentido.
Os Pés de Barro do Gênio
É aí que o ídolo desce do pedestal.
Enquanto Dawkins se tornou famoso por defender a razão, o ateísmo e a ciência, ele simultaneamente acumulou críticas severas por comentários sobre gênero, feminismo, religião e, notavelmente, por discussões perigosas sobre eugenismo. Seus críticos apontam que, em sua busca pela verdade científica, ele frequentemente usa a lógica para minimizar a opressão ou para fazer declarações transfóbicas, machistas ou que defendem hierarquias culturais.
O debate é complexo — ele próprio nega os rótulos, argumentando que suas declarações são puramente baseadas na ciência. Mas o efeito no admirador é simples: a decepção.
Você percebe que a mente que decifrou a complexidade da evolução pode ser surpreendentemente simplista (e insensível) ao lidar com a complexidade humana e social.
A Tragédia da Idolatria Intelectual
A tragédia não está no erro de Dawkins; está na nossa tendência de idolatrar o intelecto.
Nós separamos o gênio da pessoa. Admiramos a obra, o livro, a teoria — e projetamos nesse indivíduo a perfeição moral, esperando que a clareza da mente seja sinônimo de clareza de caráter.
E é aí que a vida nos lembra que todo mundo é apenas um homem (ou mulher).
O grande pensador, o artista genial, o inovador tecnológico — todos carregam os mesmos preconceitos, cegueiras e falhas de julgamento que qualquer um de nós, especialmente quando saem de seu campo de domínio.
A Lição da Carruagem
A desilusão é dolorosa, mas é uma lição de humildade para quem admira.
Devemos amar a ideia, o livro, a teoria — mas sempre manter a pessoa em perspectiva.
Existe uma história famosa (embora não totalmente confirmada) de que, nos desfiles triunfais da Roma Antiga, o imperador estoico Marco Aurélio mantinha um empregado ou escravo em sua carruagem. Enquanto era aclamado como um deus, esse servo tinha a função de sussurrar constantemente em seu ouvido a mesma frase:
"Memento mori. Memento te hominem esse." (Lembre-se que você é mortal. Lembre-se que você é apenas um homem.)
Essa lição vale para o imperador no topo da carruagem e para o fã que o admira: Não se iluda com o ídolo. Eles são, no final, apenas homens. E nossa admiração deve ser direcionada ao conhecimento, não à falível embalagem que o carrega.
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