Epígrafe: “Ser a muleta de alguém é pior do que estar quebrado — porque a dor não é sua, mas o peso, sim.”
O Amor-Protótipo e o Andaime Desnecessário
Há amores que nascem condenados. Não pela moral, pela geografia ou pelo timing errado, mas pela convenção e utilidade.
São esses amores-protótipo: você acha que está construindo algo, mas na verdade só está segurando o andaime de uma casa que nunca será sua.
Ela diz que o casamento acabou, que o carinho e a atenção secaram — mas continua lá. Você diz que entende — e entende mesmo, porque já virou especialista em racionalizar o irracional. Ela manda mensagens carinhosas, lembra do passado, flerta com o impossível e insiste: "tudo teria sido diferente e melhor se tivéssemos ficado juntos..."
Você, o bobo sensato, responde com a paciência de quem sabe que está jogando um jogo sem prêmio.
A Moeda da Carência
É curioso: quando a carência vira moeda de troca, o afeto se transforma em investimento de risco. Você continua aplicando — na esperança ingênua de que um dia o mercado emocional dela se estabilize.
Mas não vai.
Porque essa relação não é sobre amor, flerte ou destino. É sobre utilidade.
Ela precisa de alguém que a lembre de quem poderia ter sido, ou que supra o carinho que o parceiro atual não oferece.
Você precisa de alguém que o faça sentir-se necessário, importante e querido.
É uma simbiose disfarçada de destino. E, no fundo, você sabe que ela é alguém que, nos primeiros sinais de desgaste, procura outro para emendar a carência, e que você não gostaria de ter ao seu lado.
O Vazio Alheio e o Medo de Soltar
E claro, você tem medo de cortar de vez. Porque confunde apego com amizade, culpa com ternura, e o conforto do status quo com paz.
Mas uma amizade que exige sua anulação emocional, que o utiliza como muleta para um problema que não é seu, não é amizade. É manutenção de um vazio alheio.
No fim, todo mundo nessa história está tentando preencher um buraco — mas o dela é conjugal, e o seu é existencial. E nenhum dos dois será preenchido com mensagens trocadas de madrugada, ou com a promessa vazia de um "talvez".
Talvez o verdadeiro ato de amor — o único possível nessa equação — seja soltar.
O Cultivo Prático
O maior medo é a perda da amizade, mas a verdade é que a amizade saudável não exige que você seja um anexo emocional.
É hora de voltar a cuidar das próprias flores, da própria terra, do próprio jardim. O desapego das promessas e das idealizações é o primeiro passo para o trabalho real.
Como diria Cândido, depois de todas as catástrofes, decepções e filosofias vazias:
"Tudo isso está muito bem dito, mas vamos cultivar nosso jardim."

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