🗿 Sísifo empurrava uma pedra. Nós empurramos planilhas.
É isso. O herói trágico da mitologia grega foi condenado pelos deuses a rolar uma rocha morro acima, só para vê-la descer novamente.
Nós, modernos, temos o Excel.
E o botão “Salvar” — que, quando falha, faz a pedra cair mais rápido do que Zeus consegue lançar um raio.
📊 A cada manhã, abrimos a mesma planilha.
Corrigimos fórmulas, alinhamos colunas, cruzamos dados. O cursor pisca como quem zomba da nossa fé em que “dessa vez vai”.
Mas aí…
A célula trava.
A função quebra.
O sistema atualiza.
O chefe pergunta pela aba que você não renomeou.
E a pedra, é claro, rola ladeira abaixo.
🧠 Camus entenderia perfeitamente
O filósofo Albert Camus escreveu um ensaio belíssimo chamado O Mito de Sísifo, onde diz que o esforço repetido do personagem não é apenas castigo — é também condição. Que há dignidade em continuar mesmo sabendo que o topo nunca será final.
Talvez ele só não conhecesse o botão de mesclar células.
💡 O Excel, como a montanha de Sísifo, não perdoa distrações.
Esqueceu de travar uma linha? Tudo desalinha.
Errou uma vírgula? REF!
Foi tomar um café antes de salvar? Adeus manhã inteira.
🧾 Mas tem algo de heróico nisso, não tem?
Organizar a vida — ou pelo menos tentar — em meio a prazos, notificações, metas e tabelas é, no fundo, uma forma de dizer: “Eu ainda acredito no controle.” Mesmo que seja ilusório.
Mesmo que tudo despenque às 15h47 da sexta-feira.
🔄 Porque sempre recomeçamos.
Abrimos uma nova aba.
Copiamos do backup.
Aprendemos que VLOOKUP é uma armadilha e que o PROCV não é tão confiável quanto parece.
E seguimos. Empurrando. Linha por linha.
🧩 Talvez o sentido esteja mesmo no gesto
Não vamos escapar da rotina.
Mas podemos reinventá-la.
Talvez o castigo vire ofício.
Talvez o ofício, com tempo e café, vire rito.
E o rito, ainda que cansativo, nos devolva algum senso de estrutura.
Porque mesmo sabendo que a pedra vai cair, a gente sobe.
Porque, no fundo, queremos pertencer a algo que pareça funcionar.
Nem que seja uma planilha com as cores todas combinando.
📎 E se um dia der certo?
Se a fórmula fechar?
Se a célula mostrar exatamente o que deveria?
Talvez seja só por um instante.
Mas vai ser nosso instante no topo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário