Declus

Tentando tapar os buracos na minha cabeça...

sábado, maio 24, 2025

Mickey 17

Quantas vezes você pode morrer e ainda ser você?

Quantas vezes você pode morrer e ainda ser você?

Mickey 17: o filme ideal pra quem ama e pra quem odeia o Pattinson

Dirigido por Bong Joon-ho (de Parasita) e baseado no livro de Edward Ashton, Mickey 17 é uma ficção científica que brinca com ideias profundas usando um visual elegante e uma boa dose de ironia.

A trama gira em torno de Mickey Barnes, um “descartável” – um humano enviado para missões perigosas em outro planeta, que morre e é substituído por uma nova cópia sempre que necessário. E nesse looping de vidas e mortes, Robert Pattinson brilha. Sim, brilha mesmo.

Pattinson entrega várias nuances do personagem em suas múltiplas versões, com direito a uma atuação que mistura humor, cansaço existencial e um toque de loucura. É um prato cheio pra quem gosta dele — e até pra quem não gosta: afinal, ele morre várias vezes. 😅

O filme levanta questões filosóficas clássicas sobre identidade. Se você morre e é clonado, ainda é você? Qual parte de você é transferida? Só a memória basta pra manter sua essência? A obra não dá respostas fáceis — e isso é ótimo.

Além disso, há uma crítica política sutil (ou nem tanto) sobre autoritarismo, colonização e a velha tendência de destruir o que não se compreende. Dá pra ver ecos de regimes totalitários, uma estética opressora e até a ideia de que certos corpos são feitos para morrer em nome do progresso de outros.

Mickey 17 pode não ser o filme mais revolucionário de todos os tempos, mas é instigante, visualmente belo, e levanta questões importantes — tudo isso com uma atuação sólida de Pattinson, que domina praticamente todas as cenas.

Vale a pena assistir com a mente aberta e, quem sabe, se perguntar: quantas vezes você precisaria morrer até deixar de ser você?

O Dia do Curinga

O Dia do Curinga

O Dia do Curinga — Um livro que esconde mais do que revela

Entre os muitos livros que marcaram minha trajetória como leitor, há um que volta e meia retorna à minha memória como uma espécie de enigma reconfortante. Pouco falado, muitas vezes esquecido em meio ao sucesso de O Mundo de Sofia, O Dia do Curinga, de Jostein Gaarder, é um daqueles livros que não apenas contam uma história — eles nos convidam a pensar sobre a própria experiência de existir.

Uma viagem externa... e interna

Na superfície, O Dia do Curinga é uma história de viagem. Hans Thomas, um garoto norueguês, parte com seu pai para a Grécia em busca da mãe, que os deixou anos antes. Mas essa estrada física logo se transforma em um caminho muito mais profundo, quando ele recebe uma lupa mágica e um misterioso livro em miniatura escondido dentro de um pãozinho.

A narrativa se divide então em dois planos: o da jornada real com o pai, permeada por conversas sobre filosofia e destino, e a história fantástica que ele lê em segredo, sobre uma ilha mágica onde cartas de baralho ganham vida.

Por que o curingão?

O título já nos joga no centro da metáfora: o Curinga é a carta que não se encaixa nas regras do jogo. Ele não pertence a nenhum naipe, não tem número fixo, e por isso mesmo, pode ser qualquer coisa. Ou seja, ele representa o humano — com sua liberdade, imprevisibilidade, e, acima de tudo, sua consciência.

Na história da ilha, os habitantes vivem conforme suas funções — damas, reis, valetes — e apenas o Curinga tem a estranha capacidade de se dar conta do jogo. Ele é o que observa, o que pensa, o que se pergunta “por que estou aqui?” — algo tão profundamente humano que chega a incomodar.

Uma leitura que muda com o tempo

Li esse livro pela primeira vez há anos, e recentemente voltei a folhear suas páginas. A sensação foi parecida com a de rever um velho amigo: ele continua o mesmo, mas eu mudei. E por isso, o livro também mudou.

Na juventude, é fácil se identificar com Hans Thomas e suas descobertas. Depois de adulto, é o pai quem ganha nova dimensão: um homem falho, perdido em suas próprias questões filosóficas, tentando ser guia enquanto ainda busca respostas.

E por trás de tudo isso, a grande pergunta: somos peças de um jogo? Ou jogadores iludidos? O Curinga, com seu sorriso meio triste, parece nos observar sem dar respostas.

Um livro que me acompanha... e aproxima

Pra mim, O Dia do Curinga não é apenas uma boa leitura — é um dos livros que mais amo. Já comprei exemplares cinco ou seis vezes, quase sempre para dar de presente. Em parte, para espalhar essa pequena joia filosófica; em parte, porque vez ou outra acabo dando a última cópia que tinha e logo preciso de outra.

Aliás, não faz muito tempo, comecei uma conversa com uma nova colega de trabalho — recém-chegada, quase desconhecida. O assunto acabou descambando para Noruega, literatura... e Jostein Gaarder. Soltei, quase num desafio: “Qual é o melhor livro dele?” E ela, sem hesitar: “Claro que é O Dia do Curinga.” Naquele instante, nasceu uma ótima amizade.

O livro tem esse poder: ele cria pontes silenciosas entre pessoas que enxergam o mundo com olhos curiosos.

Um convite à desprogramação

Jostein Gaarder faz algo raro: ele insere filosofia num romance sem soar forçado. Ele provoca a reflexão sem pregar. Ao terminar O Dia do Curinga, fica difícil não se perguntar: será que eu também sou uma carta num baralho? E se for… sou um ás, um dois de paus ou um curingão?

Mais do que buscar respostas, talvez o importante seja não esquecer de fazer as perguntas.

Se você ainda não leu...

Leia. Mesmo que já esteja "crescido demais para livros infantojuvenis". Aliás, especialmente se estiver. Porque esse não é um livro sobre baralhos, nem sobre pães mágicos. É um livro sobre o espanto de estar vivo.

E se por acaso você já leu, talvez valha reler. Quem sabe agora você perceba novas pistas escondidas naquele baralho filosófico.

sexta-feira, maio 23, 2025

O pastor, o Diabo e o Nome no Papel

O Pastor, o Diabo e o Nome no Papel

(ou: o conto que nunca mais encontrei)

Há muitos anos, durante uma das minhas imersões em livros de contos (dessas que envolvem pilhas de papel, cheiro de guardado e tardes inteiras revirando histórias), encontrei um conto. Não era um conto famoso. Não estava em nenhuma coletânea de autores clássicos. Tampouco me lembro do nome do livro ou da editora. Só sei que li, me impactou — e depois desapareceu. Sumiu da estante, da memória das livrarias, da internet.

Desde então, busquei por essa história de todas as formas possíveis: revirei cada livro que possuo (e olha que são muitos), vasculhei PDFs, fiz buscas em cinco idiomas diferentes, vasculhei fóruns, perguntei a amigos leitores, usei IA, tarot, mapa astral. Nada. Nada mesmo. Mas a história ficou. E aqui vai ela, contada da forma mais fiel possível à lembrança que carrego:

O Conto Esquecido

Um homem nasceu e cresceu com a firme convicção de servir a Deus. Desde pequeno, seguia uma vida reta, correta, limpa. Com o tempo, virou pastor de uma igreja e se tornou referência de retidão na comunidade. Essa dedicação extrema à fé e à moral gerava incômodo em alguns — afinal, ninguém gosta muito de conviver com a perfeição alheia.

Um dos mais incomodados era o padre de uma igreja próxima. O convívio entre os dois era silencioso e repleto de desconfiança.

Certo dia, o próprio diabo apareceu. Sim, o tinhoso em pessoa, interessado naquele homem tão inabalável. Tentou de tudo: riquezas, prazeres, poder — e nada o seduzia. Até que usou um último truque: ofereceu-lhe vida eterna. “Poderás pregar a palavra de Deus para sempre”, disse ele, com voz melíflua e um papel na mão.

“Escreva seu nome aqui e queime este papel. Nosso pacto estará selado.”

O pastor hesitou. Pensou. E o diabo foi embora, deixando o papel.

Mais tarde, sozinho, o pastor escreveu um nome... e queimou o papel.

Um grito cortou a noite.

Era o padre.

O pastor, sutil e malandro, havia escrito o nome do rival. O pacto foi selado — mas não com ele.

O diabo, furioso, desapareceu.

E o tempo passou. O padre morreu, outros vieram, e o pastor envelheceu... mas não morreu.

Sua aparência se deteriorava, a cidade mudava, as pessoas desapareciam. Mas ele continuava. Vagando. Envelhecendo. Sempre ali, entre a carne e o castigo. A eternidade, afinal, tinha vindo — mas não como ele imaginava.

Um Conto de Impacto

Essa história me marcou pela ironia cruel e pelo tom bíblico-torcido que carrega. Tem algo de fábula, de parábola, de crítica velada à santidade em excesso. E o final? Amargo e perfeito.

Sei que talvez tenha distorcido algum detalhe da versão original — a memória prega peças —, mas o núcleo da história era esse. E nunca mais consegui reencontrá-la.

E agora, um apelo

Você já leu algo parecido? Reconhece esse conto? Sabe de qual livro ou autor ele veio?

Se souber, por favor, comente aqui ou entre em contato. Eu adoraria dar os devidos créditos a quem criou uma história tão poderosa e (até onde sei) perdida no tempo.

Enquanto isso, deixo aqui meu registro — quem sabe agora, finalmente, o conto saia da penumbra.

quinta-feira, maio 22, 2025

Defenestrite

Defenestrite aguda (ou: como jogar política pela janela)

Hoje, enquanto fazia piada com minhas irmãs sobre a Rússia enfrentar, há alguns anos, uma curiosa "pandemia de defenestrite", fui lembrar do ótimo texto do Luis Fernando Veríssimo — Defenestração. (Aliás, se nunca leu, vale a pena: o humor dele é tão leve quanto afiado.)

A brincadeira me levou a buscar mais sobre o termo e acabei reencontrando o quadro “A Defenestração”, do pintor tcheco Václav Brožík, que retrata a Segunda Defenestração de Praga. Curioso como um nome tão rebuscado esconde um ato tão direto: jogar alguém pela janela.

Resumo das defenestrações de Praga:

  • 1419 – Radicais hussitas lançam sete membros do conselho pela janela da prefeitura. Início das Guerras Hussitas, com uso inédito de armas de fogo.
  • 1618 – Protestantes jogam católicos da janela do castelo. Ato simbólico que inicia a Guerra dos Trinta Anos.
  • 1948Jan Masaryk, político tchecoslovaco, aparece morto sob a janela. Oficialmente suicídio; popularmente, assassinato político.

Ou seja: se os russos andam jogando gente pela janela, estão apenas mantendo viva uma tradição do Leste Europeu... 😬

Mas parei por aqui, pra não acabar me defenestrando!

Porque, no fim das contas, a gente sempre tem mais alguma coisa pra aprender — nem que seja pra lembrar de fechar a janela... 😄


📝 Post escrito em um raro momento de ócio produtivo. Se gostou, feche a aba — ou compartilhe com alguém que vive de janela aberta.

terça-feira, maio 20, 2025

Somos feitos de vazio

Somos feitos de vazio — e ainda deixamos Doritos como legado

Você sabia? Se pegássemos um átomo e o ampliássemos até o tamanho de um estádio de futebol, o núcleo seria uma pequena bola de tênis bem no centro do campo... e os elétrons estariam girando lá nas arquibancadas. Todo o resto? Espaço vazio. Isso mesmo: o que chamamos de matéria sólida é, na verdade, quase totalmente feita de nada.

Curiosidade: Cientificamente, somos compostos por átomos, e os átomos são compostos por muito espaço vazio. A densidade está toda no núcleo — mas ele ocupa uma fração minúscula do volume total. Em termos proporcionais, somos como castelos de ar mantidos por forças invisíveis.

Agora pare e pense: se tudo o que somos é basicamente vazio organizado... o que deixamos de concreto quando partimos? Que tipo de "pegada" deixamos na história?

Um sarcófago... de salgadinho?

Em 2022, um artista norte-americano resolveu brincar com essa ideia. Ele construiu um sarcófago metálico, hermético, todo elaborado — e dentro dele colocou apenas um pacote de Doritos Nacho Cheese, novo em folha. A intenção? Enganar civilizações futuras.

"Quero que pensem que este objeto era sagrado, parte de algum ritual ancestral do nosso tempo." — disse o artista.

Essa intervenção artística viralizou, e não é difícil entender o motivo. Ela mistura humor, absurdo e crítica: no fundo, mostra o quanto nossa cultura está marcada por objetos descartáveis... e como pode ser difícil decifrar o que valorizamos de verdade.

O que você está deixando para o futuro?

Pode parecer exagero, mas vale pensar: qual seria o seu "sarcófago"? Um tuíte bem-humorado? Uma playlist? Um texto perdido num blog?

No fim, talvez o que realmente deixamos não esteja nos objetos, mas nas ideias, nas conexões que causamos, nos buracos que abrimos no pensamento de alguém. Afinal, mesmo feitos de vazio, podemos preencher o mundo de sentido.

— Declus: abrindo buracos no cérebro

domingo, maio 18, 2025

Candido, de Voltaire


Cândido, de Voltaire: Ironia, Filosofia e uma Jornada contra o Otimismo Cego

Escrito em 1759 por Voltaire, Cândido ou o Otimismo é uma das obras mais afiadas e acessíveis do Iluminismo francês. Envolto em sátira, o livro é uma crítica feroz às filosofias do “tudo está no melhor dos mundos possíveis” – especialmente direcionada ao otimismo metafísico de Leibniz, representado na obra pelo hilário (e desastroso) personagem Pangloss.

💡 Contexto histórico: o século XVIII foi marcado pelo surgimento do pensamento iluminista, que desafiava tradições religiosas, a autoridade monárquica e buscava explicar o mundo por meio da razão. Voltaire foi um dos expoentes dessa mudança.

A história acompanha o jovem Cândido, um rapaz ingênuo que, após ser expulso do castelo onde vivia, embarca em uma jornada absurda que o leva por guerras, terremotos, naufrágios, perseguições religiosas e até pela fictícia utopia de Eldorado.

Durante sua trajetória, o protagonista vê o sofrimento humano em larga escala e, gradualmente, passa a questionar os ensinamentos de Pangloss – que insiste, mesmo diante das maiores desgraças, que “tudo acontece para o melhor”.

Uma resposta afiada ao mundo real

Segundo relatos, Voltaire teria escrito Cândido em apenas três dias, impulsionado por sua indignação frente a eventos como o terremoto de Lisboa de 1755, que matou dezenas de milhares de pessoas e chocou a Europa. O desastre inspirou o autor a confrontar a ideia de um mundo regido por um “bem maior” inexplicável.

🔥 A ironia cortante da obra não poupou nem a Igreja, nem os nobres, nem os filósofos – e isso custou caro: o livro foi banido, queimado em praças públicas e teve sua venda proibida em vários países. Naturalmente, virou um sucesso.

No fim, Voltaire oferece uma alternativa pragmática à filosofia vazia do otimismo: “Devemos cultivar o nosso jardim.” Essa frase, que encerra o livro, pode ser lida como um convite à ação prática, ao trabalho produtivo e à responsabilidade individual.

Por que ler hoje?

  • Porque ainda vivemos cercados por discursos superficiais que tentam justificar o sofrimento com explicações genéricas.
  • Porque o humor de Voltaire segue atual: ácido, direto e surpreendentemente leve.
  • Porque precisamos, de vez em quando, rir para não enlouquecer diante da estupidez humana.

Se você busca uma leitura breve, provocadora e deliciosamente irônica, Cândido continua sendo uma ótima escolha – mesmo mais de dois séculos depois de sua publicação.

🖋️ Este post faz parte da minha missão de abrir buracos no cérebro por meio de livros, filmes e ideias tortas. Não é só uma resenha, é uma escavação. E sim, ainda acredito que rir é um jeito muito digno de resistir.

Conclave


Dois Conclaves, Dois Climas

Filmes com temática religiosa nem sempre chamam atenção do grande público, mas alguns conseguem atravessar esse nicho e capturar o interesse geral com suspense, drama e personagens intrigantes. “O Conclave” é um desses casos... ou melhor, dois.

💡 Curiosidade: O termo "conclave" vem do latim *cum clave* — “com chave” — referindo-se ao isolamento dos cardeais durante a escolha do novo Papa. A chave aqui é literal e simbólica.

Abaixo, um breve comparativo (sem spoilers!) entre as duas produções homônimas:

Aspecto O Conclave (2006) O Conclave (2024)
Época retratada Século XV – época de intrigas papais e política renascentista Atualidade – imediatamente após a morte de um Papa fictício
Estilo Drama histórico com atmosfera densa Suspense político com ritmo de thriller
Personagem central Jovem nobre no epicentro de um escândalo eclesiástico Cardeais em disputa silenciosa pela liderança da Igreja
Elenco Roteiro focado, elenco europeu mais discreto Elenco estrelado, com destaque para Stanley Tucci
😄 Sabe aquele ator que você nunca lembra o nome, mas sempre reconhece? Então, Stanley Tucci. Aqui ele entrega o que faz de melhor: presença sutil, olhar penetrante e aquela energia de "sei mais do que pareço". Ainda subestimado, mas impossível de ignorar.

No fim, ambos os filmes valem a pena — cada um à sua maneira. Um é como folhear um manuscrito antigo à luz de velas; o outro, como assistir a um jogo de xadrez tenso transmitido ao vivo do Vaticano. Escolha o que combina com seu humor do dia.

🖋️ Este post faz parte da minha jornada meio caótica, meio curiosa por filmes, livros e ideias. Não prometo frequência, mas prometo sinceridade. Afinal, alguém precisa continuar abrindo buracos no cérebro por aqui, né?

📌 Post Extra — O Dragão na Garagem e o Olho do Ceará

  Meu pai, que saiu do Ceará aos 18 e hoje já passou dos 70, gosta de contar histórias do sertão. Uma delas reapareceu na sala esses dias, ...